quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O caminhão de lixo e o carro de luxo.

O caminhão do lixo parou em frente ao condomínio de luxo, como faz todos os dias, e os trabalhadores estavam a recolher os materiais para reciclagem, apesar do condomínio de luxo não ter feito nenhum esforço, por mínimo que fosse, de fazer coleta seletiva do lixo de luxo. Era vidro se espatifando por todo lado misturado com matéria orgânica podre. Um automóvel de luxo chega quase no exato momento em que os trabalhadores iniciaram a árdua tarefa, e começa a buzinar neuroticamente para que o caminhão de lixo interrompa recolta e saia imediatamente da frente do portão de entrada do estacionamento do condomínio de luxo, que é localizado ao lado do lugar onde o vigia armado passa a noite em pé, sacando a arma a cada vez que um morador com automóvel de luxo chega ao prédio (sendo pago com salário correspondente ao valor de um jantar qualquer em um restaurante francês de um dos moradores para proteger a vida do conjunto dos moradores do condomínio de luxo), e é com o gesto da sacada de arma que pode lhe custar a própria vida que ele valoriza seu emprego, pois os bandidos estão de olho, planejando lhe tomar a arma e o colete, e ele passa a noite inteira ao lado do lixo que é o lugar desenhado na moderna arquitetura do prédio de luxo para ele ficar por quem concebeu o apartamento de luxo, um arquiteto famoso, que tem horror a ser incomodado nos sinais pelos mirins, mas se posicionou em relação ao lixo e à segurança armada, à parte, dispondo-os entre o luxo e o lixo, tudo de um modo muito funcional. O segurança, devidamente fardado, como também fardados estavam os lixeiros, os porteiros e os policiais da ronda do quarteirão são funções da cidade de luxo. Trabalhadores despejando o lixo do prédio de luxo do morador neurótico pedem paciência, gesticulando com as mãos e esboçando um meio-sorriso: alguma simpatia com civilidade e procedimento técnico-comercial no trato com clientes e cidadãos de bem, como aprenderam com seus pais que os ensinaram a serem respeitadores para com o próximo. Morador do prédio de luxo continuou a buzinar estrondosamente para obrigar que educados trabalhadores que recolhiam o lixo de seu prédio de luxo se retirassem com seu caminhão de lixo da frente da garagem do apartamento de luxo. O caminhão só precisaria, como sempre, de mais dois minutos para cumprir sua missão profissional e pontual. O morador do prédio de luxo estava se lixando, se o caminhão de lixo precisava de mais dois minutos. Ele queria passar e ponto final. E continuou a buzinar, como se buzina para animais como vacas, cabras, cachorros e burros que atravessam a pista no meio da noite, pondo em risco a vida dos seres automotivos e suas famílias, esses animais na pista que não são recolhidos pelo governo, esse bando de incompetentes. Moral da história: quando a favela em vez de fardada de lixeiro, de porteiro, de policial ou de segurança privado armado, quando a favela, em vez de um lixeiro fardado e educado e imbuído do mais refinado padrão de civilidade enquanto recolhe o lixo do luxo sob o protesto estridente da buzina do carro de luxo, quando essa mesma favela, aparece com a arma na mão, com a arma do crime, o medo impera, pede-se polícia, proteção e condena-se o absurdo que é permitir que os bandidos e suas incivilidades bárbaras infestem as ruas da cidade, ameaçando os cidadãos de bem, os pais de família, os pagadores de impostos e empreendedores que promovem o progresso do país e o bem comum de uma das cidades mais desiguais do mundo, um destino turístico que é um primor.

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